domingo, 21 de junho de 2009

O tempo embebido no ato de ensinar e aprender

Quase toda semana leio no jornais os últimos resultados do ENEM. Quais as escolas que obtiveram melhores resultados. No geral as escolas particulares sempre se saem melhor. Na última quinta-feira relatório publicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que os professores brasileiros são os que mais desperdiçam o tempo de aula pra tentar manter a disciplina. Segundo o relatório a indisciplina se mostrou um problema mundial. Na média dos países, 60% dos diretores afirmaram ter, em alguma medida, distúrbios em sala de aula provocados pelo problema. O México tem o maior percentual (72%); o Brasil tem exatamente o índice da média. Diretores brasileiros foram dos que mais relataram ter pouca ou nenhuma autonomia para contratar, demitir ou promover professores por seu desempenho em sala de aula. No Brasil, só 27% disseram que podem escolher os professores. A média dos países é de 68%.
Coincidência ou não, na última segunda-feira assisti novamente ao documentário “Ser e Ter” de Nicholas Philibert. Em campo aberto, de pé, sob chuva e diante de um inquieto rebanho leiteiro, um homem grita: "Devagar, devagar!", na tentativa de conduzir a manada. As vacas avançam, o homem e seus companheiros recuam. Os adultos erguem cajados, as vacas estacam. Em seguida a essa cena inaugural do documentário, "Ser e Ter" transfere-se para o interior de uma sala de aula, vazia de alunos e professores, mas onde duas tartarugas caminham pelo chão. Mais do que a metáfora de gênero cinematográfico, a comparação de Philibert serve para sintetizar a maneira como encara o próprio tema do filme. Educação é o convívio lento que requer paciência e disposição para o outro. Homens e mulheres, na sua relação com o mundo e com outros seres, buscam respostas aos desafios, às questões de seu contexto, ou seja, constroem conhecimentos.
O regime de classe única de estudantes com diferentes idades e graus de formação é comum nas escolas do interior da França. Philibert, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, disse que a idéia de filmar a rotina escolar de crianças poderia parecer desinteressante a muita gente, mas ele tinha "a convicção de que algo rico e significativo sairia dali". "Aprender a ler e escrever soa banal para quem já passou por isso, mas é um momento muito importante para quem o vive. É quando precisamos vencer barreiras, enfrentar dificuldades e medos, enfrentar o olhar dos outros", afirma. Envolvidos em angústias desse tipo, os personagens de "Ser e Ter" se deixam filmar em diálogos penosos com o professor, em disputas infantis (e outras nem tanto) e em suas tentativas de insubordinação. As crianças não têm medo da câmera e reagem com naturalidade.
O elemento central da história é o professor Georges Lopez, um extraordinário exemplo de dedicação total à sua atividade de mentor e professor. Através de sua participação, o filme mostra a influência positiva do educador na formação do caráter de seres humanos desde a mais tenra idade. Cada criança constrói seu próprio conhecimento frente às atividades curriculares que extrapolam os limites da sala de aula. Essa escola do interior não possui salas informatizadas e brinquedos sofisticados. Juntos, alunos de 4 a 10 anos, compartilham uma educação intimista, voltada a um aprendizado coletivo. Apesar da diferença etária, a serenidade do professor e a influência da família criam um ambiente lúdico, onde cada criança constrói seu próprio conhecimento frente às atividades curriculares que extrapolam os limites da sala de aula.Essa escola mostra que a qualidade da educação depende, em grande medida, dos educadores que a compõe e também da criatividade que deve ser o instrumento maior de toda a vivência escolar. Neste sensível documentário, o diretor faz um verdadeiro elogio à aprendizagem coletiva e ao respeito pelo outro, quando nos coloca no lugar de crianças em pleno processo de formação do conhecimento e da identidade pessoal. A metodologia pedagógica de Georges Lopez conduz as crianças, com paciência até a adolescência; participando de suas discussões e escutando os problemas de cada um. Vê-se aí, a face mais modelar de como se pode trabalhar com a heterogeneidade discente. Embora esteja em desuso atualmente, esse tipo de prática escolar guarda segredos que os professores de hoje procuram desesperadamente. Os relatos emocionantes do cotidiano escolar, por vezes hilários, mostrados no filme, podem ser muito mais esclarecedores do que palestras realizadas em grandes feiras sobre educação. Ser e Ter é de uma simplicidade encantadora. Uma das coisas que mais cativa no filme é que ele mostra a vida com autenticidade, com inteligência, apresentando o mundo da criança com sua espontaneidade, sua admiração perante o que aprenderam e a sua confiança desarmada nas pessoas. Além disso, mostra também as dificuldades da pré-adolescência, tudo sob a condução de um mestre que é também um hábil condutor da melhor forma de interagir com as crianças.

Um comentário:

  1. Olá !
    Conscidência ou não, eu também assistira esse incrível filme "ser e ter" em sala de aula. Uma dado empírico, logo após todos sairem da sala (resmungando que o filme era isso que era aquilo) eu notei que a maioria dos argumentos (principalmente das meninas) menosprezavam o filme, achando que o comportamento do professor era rude demais com as crianças. Enfim, a sintese é, que infelizmente assim segue o ensino demagógico em nosso pais sendo reforçado pelos futuros educadores...

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